quarta-feira, 1 de setembro de 2010

O julgamento de um prelado

Pietro Carnesecchi, nascido em Florença no início do século 16, progrediu rapidamente na carreira eclesiástica na corte do Papa Clemente VII, que o designou seu secretário particular. Contudo, sua carreira foi interrompida abruptamente quando o papa morreu. Mais tarde, ele conheceu nobres e clérigos que, como ele, aceitavam algumas doutrinas ensinadas pela Reforma Protestante. Em resultado disso, ele foi levado a julgamento três vezes. Condenado à morte, foi decapitado e seu corpo, queimado.

Comentaristas descreveram o terrível confinamento de Carnesecchi na prisão. Para quebrar sua resistência, ele foi torturado e deixado sem alimento. Em 21 de setembro de 1567, seu auto-da-fé solene foi realizado em Roma, na presença de quase todos os cardeais. A sentença de Carnesecchi foi lida para ele no cadafalso, diante da multidão. Terminou com as palavras rituais costumeiras e com uma oração aos membros do tribunal civil, para quem o herege seria entregue, no sentido de ‘moderarem a sentença infligida a ele e de não provocarem a morte dele nem derramamento excessivo de sangue’. Que hipocrisia! Os inquisidores queriam eliminar os hereges, mas, ao mesmo tempo, fingiam pedir às autoridades seculares que fossem misericordiosas. Dessa forma, queriam salvar as aparências e tirar a culpa de sangue dos próprios ombros. Depois que a sentença de Carnesecchi foi lida, fizeram que ele vestisse um sambenito, uma roupa de saco amarela pintada com cruzes vermelhas, no caso dos penitentes, ou preta com chamas e demônios, para os impenitentes. A sentença foi executada dez dias depois.

Por que esse ex-secretário do papa foi acusado de heresia? Os autos do processo do seu julgamento, descobertos no fim do século passado, revelam que ele foi considerado culpado de 34 acusações, que correspondem às doutrinas que ele contestava. Entre elas estavam os ensinos do purgatório, do celibato para sacerdotes e freiras, da transubstanciação, da confirmação, da confissão, da proibição de certos alimentos, das indulgências e das orações aos “santos”. A oitava acusação é especialmente interessante. (Veja o quadro na página 21.) Condenando à morte quem aceitava somente a “palavra de Deus conforme expressa nas Escrituras Sagradas” como base para suas crenças, a Inquisição mostrou claramente que a Igreja Católica não considera a Bíblia Sagrada como a única fonte inspirada. Assim, não é de admirar que muitas das doutrinas da Igreja sejam baseadas, não nas Escrituras, mas na tradição da Igreja.

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